Convivência: o segredo para viver bem no Semiárido

Mesmo nessa seca “danada”, as famílias agricultoras da Comunidade Quilombola de Vereda dos Cais (Caetité-BA), fazem nascer outro Semiárido.

Nada disso seria possível, se não fosse o processo de convivência.  Conviver é o segredo de se viver (e viver bem) no Semiárido. Este segredo está presente em diversas comunidades de todo o Semiárido brasileiro, entre elas, a comunidade quilombola de Vereda dos Cais, situada no município de Caetité-Ba.

Em visita à Vereda dos Cais no dia 02 de fevereiro, foi possível perceber que bastou apenas um bocado de força de vontade das famílias e somadas às ações da Política de Convivência com o Semiárido, através da implementação de tecnologias sociais de captação de água de chuva para consumo humano (cisternas (16 mil litros), executadas pelo Centro de Agroecologia no Semiárido (CASA) e para a produção e dessedentação animal de pequeno porte (cisternas calçadão 52 mil litros), executadas pela Cáritas N3 – Diocese de Caetité, para que houvesse garantia de melhoria na qualidade de vida na comunidade.

A primeira família a ser visitada, foi a de Francisca Rodrigues da Silva (dona Mocinha) e Pedro Rodrigues da Silva. Dona Mocinha descreve com entusiasmo o papel das tecnologias sociais de captação de água de chuva.


Sobre os proje20170202_153353tos que gente recebeu – os calçadão, é coisa muito importante na vida da gente. Para a gente sabê plantar e sabê colhê. É coisa muito importante que a gente tem, e alem de cê saber o que que cê tá produzino, o que que cê tá colheno e o que que cê tá alimentano.

Aqui na roça gente produz arface, coento, abroba, açarfão, tem bastante mamão, tem chuchu.  Além disso aí tem a farmacinha do remedo casero, da produção aqui da natureza. Gente tem muito remedo caseiro aqui na bera dos calçadão. E ainda tem mais coisa: tem pimenta, tem limão, tem laranja, tem pé de uva. De tudo a gente pranta e de tudo a gente tem um pouco. Tem pé de abacate, tem pé de cenora, tem pé de amora, tem pé de piqui, tem pé de ciriguela, tem pé de pitanga. De tudo a gente tem. Isso tudo depois da cisterna. Antes aqui não tinha nada. A vida da gente é só sofrida. Gente tinha tudo se comprasse. Agora aqui mermo no lugar que nois produz não tinha era nada. Tinha era um capimzim. 

A gente arranco o capim e Deus ajudo que chegou pra gente e agora a gente tem a produção. A gente comercializa também. Tem uma feirinha aqui na comunidade que a gente vende. As pessoa procura muito aqui em casa e a gente vende aqui. E nem só vender. Sempre eu falo: eu não sou muito assim, que a gente não vive sem o dinheiro, mais eu não sou iscrava do dinheiro. Eu gosto de doar também. Eu ganho muito “Deus ajude”, que vale muito mais do que o dinheiro.


A segunda visita se deu junto à família de Edvaldo Mendes de Jesus e Aparecida Maria de Jesus. Edvaldo nos contou sobre a importância dos intercâmbios de experiências, onde as famílias que estão acessando as tecnologias sociais de captação de água para produção, visitam as famílias que já estão desenvolvendo a produção agroecológica.

 

AEC importância do intercâmbio para a gente que recebe as pessoa é a troca de experiência, né. A amizade, né. O que a gente conquista nesses intercâmbios com as pessoas né. Quantos amigos a gente não tem feito. Quantas pessoas conhecidas. E também a troca de experiências. O conhecimento que a gente consegue adquirir. Pra mim é muito aproveitoso e eu gosto muito quando vem os intercâmbios. Aquilo parece que reforçava o trabalho que a gente vinha fazendo. Aí o acompanhamento das pessoas. O que a gente produziu, o que a gente repassava pras pessoas. A alimentação né. Em primeiro lugar primeiramente a Deus e agradecer por ter dado esses momentos bons pra gente né e as pessaos que incentivou o conhecimento. Eu mesmo produz licor foi por meio de intercâmbio. E que a gente nem imaginava que teria no mundo, aproveitar as fruta pra fazer licor. Nos intercâmbio o sentimento que fica é de alegria e de motivação receber as famílias. Dá animo, dá coragem para a gente continuar a caminhada, por que a gente sabe que tem alguém, né, que tá acumpanhando, que tá dando valor. De 2012 pra cá, minha família e a família de dona Mocinha já recebeu 22 intercâmbios. Ás vezes era 25, 30, 40 pessoas em cada intercâmbio.

 

Interrogado sobre o papel das tecnologias sociais de captação de água de chuva, de forma espontânea Edvaldo argumenta:

 

20170202_174241A tecnologia pra mim aqui foi um “céu aberto”. Era uma coisa que a gente tinha vontade de ter: uma plantação, uma horta no quintal e a gente não tinha e hoje graças a Deus é isso que você tá veno aí (o quintal produtivo agroecológico). Precisa de uma alface tem. Agora nesse período não, pois a gente produz primeiro o açafrão, mas quando for pro mês de maio e junho que a gente for fazer a colheita do açafrão, aí vem as hortaliças. Alface, almeirão, rúcula. Tomate a gente já tem alguns canteirinhos e daí por diante. Para as famílias que estão acessando agora as tecnologias, desejo muita garra, muita luta, amor, força de vontade a gente não consegue nada. Aqui pra família mudou muito, até na economia, no dinheiro que é pouco mais a gente tem economia até no dinheiro. Por exemplo: se tinha que ir pá feira e trazer um pé de alface, hoje não precisa mais isso. Um aricum, um açafrão que pricisava trazer aqui que era pro tempero, não pricisa trazer que a gente tem. Isso não falta aqui pra gente. Então mudou muito. A saúde depois dessas tecnologia mudou muito. Antigamente o povo, as crianças, nois mesmo adulto era muito doente e graças a Deus depois dessas tecnologias pra cá… A gente come e comercializa também na feirinha que a gente tem, que funciona de 15 em 15 dias aqui na comunidade. Aqui em casa mesmo as pessoas procuram muito e a gente vende. Além de comercializar a gente dá também que é uma ação muito boa. Graças a Deus a gente tem filho formado na Escola Família Agrícola formado com a produção do quintal. Em tem filhos que ainda estuda lá. Com a feirinha feita de 15 em 15 dias aqui na comunidade, sempre no dia de ir pra escola, a gente já tava com o dinheirinho pronto para a contribuição da escola. E lá a educação é de boa qualidade: é coisa que ninguém tira nunca. Aqui no quintal todo mundo trabalha. A família toda trabalha. Diferente da grande produção quem lucra é a família.


As falas de Edvaldo e de dona Mocinha são verdadeiros testemunhos de vida, de sonho e de esperança, que se traduzem na convivência com o Semiárido: produção agroecológica, trabalho coletivo, partilha, troca de experiência, educação contextualizada…

Com estes testemunhos, ficamos cada vez mais convencidos (as) que para se viver bem no semiárido é preciso conviver. É preciso política pública.  É neste sentido que se destaca o papel da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e das mais de 3 mil organizações que a compõe, na luta incansável junto às famílias agricultoras, para a construção de um Semiárido mais justo, mais solidário e mais fraterno.

Por um semiárido vivo, nenhum direito a menos!

 

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